“A poesia não se entrega a quem a define.


Mário Quintana


sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Como não dizer Adeus!



Eu podia vê-lo, apoiada na porta a visão era bem melhor, não me importei muito se ele me veria ou não, mas ele estava tão absorto em seu violão, que acho que nem que se eu desabasse ali bem na frente dele, ele pararia de tocar aquela melodia que me invadia o coração, chovia lá fora, chovia muito, mas as gotas de chuva pareciam saber como ele queria que elas caíssem, porque elas acompanhavam a melodia q ele tocava suavemente, eu observava vidrada a fumaça que saia da boca dele, os olhos fechados numa entrega total a musica que eu ouvia, estavam presentes uma vulnerabilidade tão grande e uma força inexplicável, como se um muro se erguesse e eu não pudesse alcançá-lo... E ele estava lá, a poucos passos de mim, ainda encostada na porta, deslizei até sentar-me no carpete creme que ele amava e eu odiava, era confortável o momento, estiquei uma das pernas e abracei o joelho dobrado, tentei imita-lo na posição, mas eu n tinha um violão, nem seus olhos...
Olhei-o por mais um momento, poderia ter sido um minuto ou uma vida inteira, mas aquela era a melhor sensação do mundo, o cheiro dele em mim, o cheiro dos nossos livros espalhados por todas aquelas estantes, os cabelos desgrenhados e a barba q começava a crescer, ele jogou a cabeça p trás e eu o imitei, mas acabei batendo a parte de trás da cabeça na porta, gemi minimamente, não querendo tirá-lo de seu momento. Enquanto massageava a cabeça vi que ele sorria, sorria e olhava pra fora segurando o riso, não reclamei, não ri, só calei-me...

-Machucou? Disse sorrindo entre os dentes.
-Não, como você diz eu sou cabeça dura não é? Gemi como se estivesse brava...
- E bota cabeça dura nisso, dá uma olhada p ver se não amassou a porta. Ele riu
E eu resmunguei, e ele soltou o violão e veio em minha direção, sentou-se a minha frente, tomou minha cabeça entre as mãos e brincando disse:
-É, a porta não amassou...
Sorri, ele retribuiu e me beijou os lábios calmamente, aquele beijo que só ele podia me dar.
Separou os lábios dos meus e olhou pra trás, as malas no sofá da sala, as camisetas ainda pra dobrar, as calças ainda pra guardar, os lenços, as meias e os papéis...
Ele olhou pra baixo, beijei-lhe a testa e ergui-lhe o queixo, deixando os dedos em sua barba, fazendo circulos, ele fechou os olhos e suspirou e ficamos alí por um momento...
-Vou sentir sua falta sabe? Resmungou
-Não vai, logo você me esquece... Tentei falar divertida
Ele fechou a cara, como se eu tivesse ofendido a ele e as suas próximas gerações... Levantou-se, coçou a barba e voltou a concentrar-se em seu violão, agora as notas eram mais violentas, como quem sente raiva, a música era rústica e triste, mas ainda assim violenta...
Levantei-me, e fui em direção às malas, teria que guardar tudo, o que levaria e o que deixaria para trás, pus a mão sobre o peito, sussurrando baixinho sem olhar para onde ele estava :”Você também fica”. Ajoelhei em frente ao sofá e comecei a dobrar as camisetas, ri quando vi que entre elas estava a camiseta que ele mais gostava, mas não me atrevi a tirá-la do monte, levaria comigo, guardaria como o havia guardado em meu peito até hoje... Senti suas mãos trêmulas apoiarem-se em meus ombros, apertou-os como se estivesse me abraçando, e sentou-se ao meu lado, começando a dobrar as calças... Terminando, puxou a caixa de livros que estava à sua direita, vasculhou entre manuais, livros de política, poesia e alguns papéis soltos... Pequenos poemas que eu havia escrito pra ele e que ele nunca quis ler, ia levá-los comigo, eram meus afinal, eram a minha lembrança dele... Suspirou, e ficou de costas pra mim, respirou forte, e resolveu quebrar o silêncio que havia se instaurado entre nós:
-Você disse que não ia embora nunca.
-Eu já disse: Nunca diga nunca...
-Fica?
-Não posso. Vai comigo?
-Não quero.
-Assim é bem difícil...
-Você disse que eu era difícil, mas você tá sendo bem mais difícil que eu...
-Você está sendo dramático.... E eu sempre fui a dramática aqui... Você sabia que eu ia embora...
-Sabia com esperanças que ficaria, porque não pode simplesmente ficar?
-Não dá, você sabe disso, meu lugar não é aqui, você sabia disso desde o começo...
-Deixa eu ser o seu lugar, seu lugar é aqui, comigo, agora, como tem sido...
-Eu vou sentir sua falta...
-Você disse que eu vou te esquecer...
-Mas eu ainda vou sentir sua falta, até mesmo quando você postar foto no Facebook com a sua nova piriguete, loira de preferencia, e com cabelo liso, certeza, você sempre gostou das de cabelo liso....
-Eu gosto mais de você... Desajeitada e desarrumada.
-Ah que coisa linda pra se falar... Desajeitada tudo bem, mas desarrumada?
-É, como quando você fica depois do nosso beijo...
-A gente supera...
Levantei com os olhos querendo chorar... Não queria dizer Adeus, era dolorido demais, ainda faltava uma semana pra minha viagem... Mas ele me olhava como se faltassem segundos... Fui pra cozinha abri a geladeira e virei uma latinha de cerveja, sem vontade, só com gana de calar o choro...
-Tem mais uma? Ele disse apoiado na porta da cozinha. Fiz que sim com a cabeça e joguei uma lata pra ele, que bebeu vagarosamente, alternando goles e olhares no meu rosto vermelho, que eu tentava disfarçar culpando mentalmente a cerveja virada às pressas.
-Você podia tornar isso mais fácil pra mim não? Desabei a chorar, sentando no chão da cozinha. –Era tudo mais fácil antes de eu te conhecer, já estava acostumada a não deixar ninguém se aproximar e você vem e estraga tudo, e ainda faz com que eu me sinta a pior pessoa do mundo por não querer te dizer Adeus hoje, agora, ou daqui a dois minutos, eu só quero dizer Adeus no aeroporto, escondendo por trás do meu pior sorriso que eu sou forte, que eu não vou sentir sua falta a cada minuto...
Ele ajoelhou-se, e me tomou nos braços, calei o choro, permanecendo com os lamentos mentais e suspirando cada vez que sentia o cheiro dele...
-Não vou sentir sua falta, não gosto de mulher chorona...
-Mas você disse que me amava...
-Disse antes de você deixar cair a máscara e me mostrar a garotinha que você é... Certeza que não vou sentir sua falta. Ele sorriu, e eu incrédula, lí nos seus olhos que ele não queria dizer Adeus também, e ri, ele riu, rimos e nos abraçamos... Não haveria Adeus pelos próximos 5 dias.

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