Eu podia vê-lo, apoiada na porta a visão era bem melhor, não me importei
muito se ele me veria ou não, mas ele estava tão absorto em seu violão, que
acho que nem que se eu desabasse ali bem na frente dele, ele pararia de tocar
aquela melodia que me invadia o coração, chovia lá fora, chovia muito, mas as
gotas de chuva pareciam saber como ele queria que elas caíssem, porque elas
acompanhavam a melodia q ele tocava suavemente, eu observava vidrada a fumaça
que saia da boca dele, os olhos fechados numa entrega total a musica que eu
ouvia, estavam presentes uma vulnerabilidade tão grande e uma força
inexplicável, como se um muro se erguesse e eu não pudesse alcançá-lo... E ele
estava lá, a poucos passos de mim, ainda encostada na porta, deslizei até
sentar-me no carpete creme que ele amava e eu odiava, era confortável o
momento, estiquei uma das pernas e abracei o joelho dobrado, tentei imita-lo na
posição, mas eu n tinha um violão, nem seus olhos...
Olhei-o por mais um momento, poderia ter sido um minuto ou uma vida
inteira, mas aquela era a melhor sensação do mundo, o cheiro dele em mim, o
cheiro dos nossos livros espalhados por todas aquelas estantes, os cabelos
desgrenhados e a barba q começava a crescer, ele jogou a cabeça p trás e eu o imitei,
mas acabei batendo a parte de trás da cabeça na porta, gemi minimamente, não
querendo tirá-lo de seu momento. Enquanto massageava a cabeça vi que ele
sorria, sorria e olhava pra fora segurando o riso, não reclamei, não ri, só
calei-me...
-Machucou? Disse sorrindo entre os dentes.
-Não, como você diz eu sou cabeça dura não é? Gemi como se estivesse
brava...
- E bota cabeça dura nisso, dá uma olhada p ver se não amassou a porta.
Ele riu
E eu resmunguei, e ele soltou o violão e veio em minha direção,
sentou-se a minha frente, tomou minha cabeça entre as mãos e brincando disse:
-É, a porta não amassou...
Sorri, ele retribuiu e me beijou os lábios calmamente, aquele beijo que
só ele podia me dar.
Separou os lábios dos meus e olhou pra trás, as malas no sofá da sala,
as camisetas ainda pra dobrar, as calças ainda pra guardar, os lenços, as meias
e os papéis...
Ele olhou pra baixo, beijei-lhe a testa e ergui-lhe o queixo, deixando
os dedos em sua barba, fazendo circulos, ele fechou os olhos e suspirou e
ficamos alí por um momento...
-Vou sentir sua falta sabe? Resmungou
-Não vai, logo você me esquece... Tentei falar divertida
Ele fechou a cara, como se eu tivesse ofendido a ele e as suas próximas
gerações... Levantou-se, coçou a barba e voltou a concentrar-se em seu violão,
agora as notas eram mais violentas, como quem sente raiva, a música era rústica
e triste, mas ainda assim violenta...
Levantei-me, e fui em direção às malas, teria que guardar tudo, o que
levaria e o que deixaria para trás, pus a mão sobre o peito, sussurrando
baixinho sem olhar para onde ele estava :”Você também fica”. Ajoelhei em frente
ao sofá e comecei a dobrar as camisetas, ri quando vi que entre elas estava a
camiseta que ele mais gostava, mas não me atrevi a tirá-la do monte, levaria
comigo, guardaria como o havia guardado em meu peito até hoje... Senti suas
mãos trêmulas apoiarem-se em meus ombros, apertou-os como se estivesse me
abraçando, e sentou-se ao meu lado, começando a dobrar as calças... Terminando,
puxou a caixa de livros que estava à sua direita, vasculhou entre manuais,
livros de política, poesia e alguns papéis soltos... Pequenos poemas que eu
havia escrito pra ele e que ele nunca quis ler, ia levá-los comigo, eram meus
afinal, eram a minha lembrança dele... Suspirou, e ficou de costas pra mim,
respirou forte, e resolveu quebrar o silêncio que havia se instaurado entre
nós:
-Você disse que não ia embora nunca.
-Eu já disse: Nunca diga nunca...
-Fica?
-Não posso. Vai comigo?
-Não quero.
-Assim é bem difícil...
-Você disse que eu era difícil, mas você tá sendo bem mais difícil que
eu...
-Você está sendo dramático.... E eu sempre fui a dramática aqui... Você
sabia que eu ia embora...
-Sabia com esperanças que ficaria, porque não pode simplesmente ficar?
-Não dá, você sabe disso, meu lugar não é aqui, você sabia disso desde o
começo...
-Deixa eu ser o seu lugar, seu lugar é aqui, comigo, agora, como tem
sido...
-Eu vou sentir sua falta...
-Você disse que eu vou te esquecer...
-Mas eu ainda vou sentir sua falta, até mesmo quando você postar foto no
Facebook com a sua nova piriguete, loira de preferencia, e com cabelo liso,
certeza, você sempre gostou das de cabelo liso....
-Eu gosto mais de você... Desajeitada e desarrumada.
-Ah que coisa linda pra se falar... Desajeitada tudo bem, mas
desarrumada?
-É, como quando você fica depois do nosso beijo...
-A gente supera...
Levantei com os olhos querendo chorar... Não queria dizer Adeus, era
dolorido demais, ainda faltava uma semana pra minha viagem... Mas ele me olhava
como se faltassem segundos... Fui pra cozinha abri a geladeira e virei uma
latinha de cerveja, sem vontade, só com gana de calar o choro...
-Tem mais uma? Ele disse apoiado na porta da cozinha. Fiz que sim com a
cabeça e joguei uma lata pra ele, que bebeu vagarosamente, alternando goles e
olhares no meu rosto vermelho, que eu tentava disfarçar culpando mentalmente a
cerveja virada às pressas.
-Você podia tornar isso mais fácil pra mim não? Desabei a chorar,
sentando no chão da cozinha. –Era tudo mais fácil antes de eu te conhecer, já
estava acostumada a não deixar ninguém se aproximar e você vem e estraga tudo,
e ainda faz com que eu me sinta a pior pessoa do mundo por não querer te dizer
Adeus hoje, agora, ou daqui a dois minutos, eu só quero dizer Adeus no
aeroporto, escondendo por trás do meu pior sorriso que eu sou forte, que eu não
vou sentir sua falta a cada minuto...
Ele ajoelhou-se, e me tomou nos braços, calei o choro, permanecendo com os
lamentos mentais e suspirando cada vez que sentia o cheiro dele...
-Não vou sentir sua falta, não gosto de mulher chorona...
-Mas você disse que me amava...
-Disse antes de você deixar cair a máscara e me mostrar a garotinha que
você é... Certeza que não vou sentir sua falta. Ele sorriu, e eu incrédula, lí
nos seus olhos que ele não queria dizer Adeus também, e ri, ele riu, rimos e
nos abraçamos... Não haveria Adeus pelos próximos 5 dias.