“A poesia não se entrega a quem a define.


Mário Quintana


terça-feira, 9 de agosto de 2011

Eliza...


E lá ficou ela...
Sentada numa cadeira ao lado da cama onde repousava o marido moribundo.
Amava-o tanto que doía vê-lo daquele jeito,tão pálido como as folhas dos livros da estante que lia para que ele dormisse,tão morto quanto o céu,que acinzentado dividia com ele seu tormento.
Tinha nos olhos um vazio tão grande quanto a dor que ela sentia,seus gemidos dolorosos enchiam a casa e quem ouvia de fora jurava que esta era assombrada.
Ela fechou o livro,levantou-se da cadeira,aproximou-se dele,puxou a colcha que o cobria,ajeitou-se dentro dela,colou seu corpo ao dele,e pousou sua cabeça de cachos negros e abundantes sobre o peito tão enfermo.
O coração dele batia tão forte que era quase possivel ver a cabeça dela se mechendo por conta dos batimentos.
Ele com muito esforço levantou a mão,pousou-a sobre os cachos longos e negros de sua amada,respirou fundo e sussurrou:
-Eliza,Eliza,minha pequena,olha...olha para a foto.....pra foto...ali.. na mesa,dá pra ver daqui...e sua voz falhava,ele fazia pausas,arfava fortemente,respirando com muita dificuldade.
-Foi no verão, não foi John? disse a menina levantando os olhos para seu amado.
Então ela fechou os olhos e transportou-se para um Verão.
Tinham acabado de se casar,ele de boa familia,ela, pobre moça do campo, trabalhava no casarão vizinho ao da familia Smith,a dele.
Encontraram-se no riozinho que servia como fronteira das duas propriedades.
Ali sentaram,cada um numa margem e conversaram até anoitecer.
Apaixonaram-se enfim,conversaram todos os dias durante um mês, até que ele se declarou, e ela também,escondido dos pais, o rapaz comprou uma propriedade,anunciou o casamento,onde só compareceram os pais de Eliza e os criados da casa que o viram crescer.
Seu pai,possesso,rogou-lhe uma praga na praça da cidade,para todos os que quisessem ouvir e até para os que não queriam,trancou as portas da casa paa o filho,a mãe de desgosto e angústia pela atitude do marido e pela saudade do filho adoecera gravemente,chegando a falecer alguns dias depois.
Sentaram-se no jardim,ainda sobravam algumas flores da primavera,estavam sentados num banco,embaixo da macieira que ela tanto adorava e lá foi tirado o retrato,que agora estava encima da mesa.
Ela pousou sua cabeça sobre o peito dele e sussurrou:
-John
-Diga Eliza. e ela fez silencio e depois repetiu:
-John
-Uhn,respondeu ele de olhos fechados sentindo a brisa.mas ela não respondeu,ele abriu os olhos e fitou-a
-John,disse ela levantando os olhos na direção dele.
-Diga Eliza.
-Você vai sempre me responder quando eu chamar?
-Claro Eliza.E eles fecharam os olhos e ela voltou para o quarto...
-Ali eternizamos nosso amor,disse John com dificuldade.
Ela sorriu,e ainda de olhos fechados,lembrou-se do resto do verão,quente,as limonadas geladas que a faziam rir quando ele fazia caretas,as sestas na varanda,quando se aproveitavam de alguma brisa que passasse para amenizar o calor.
Os banhos de rio,em que ela pegava o marido olhando-a fixadamente,sentia-se envergonhada,mas não queria que mais ninguém estivesse ali além dele.Depois do banho,deitavam-se na grama e observavam a noite cair,as estrelas surgirem,sentia-se orgulhosa com a noite,porque ele escolhera a estrela mais brilhante e dera o nome dela de Eliza,e então quando ficavam assim ela pedia que ele lhe mostrasse onde estava a Eliza do céu.
Foi o melhor verão que tiveram em toda suas vidas,e era o último.
No outono,ele caiu adoecido,febres absurdamente altas,dores que faziam com que ele se contorcesse na cama,e Eliza,sempre estava ao lado dele,quando ele dormia,e ela sabia que era por pouco tempo,ela saía do quarto,ia até a biblioteca,logo ao lado e chorava baixinho,afim de que ninguém ouvisse seu pranto,e logo voltava para junto dele,serena,com um sorriso no rosto que o faziam sorrir.
E contava para ele histórias que tinha ouvido quando criança,cantava as cantigas antigas que aprendera com sua avó,e ele a olhava,com um olhar febril, e sorria,escondia-se da vista dela quando alguma lágrima teimava em cair.
O Outono terminou e com o inverno,as dores dele e as dela chegaram de forma bruta.
Ela abriu os olhos,voltando para o presente,enxugou as lágrimas que caíam,tentando fazer com que ele não as percebesse,levantou-se,foi até a janela,abriu-a e disse:
- O inverno está para acabar,as flores nascerão bonitas este ano.
-Eliza,vem pra junto de mim,disse ele,que havia cochilado e sentindo a falta do calor da esposa despertara.-Sempre olharei por você minha pequena,nunca estará sozinha.
-Não fale assim John,você prometeu que ia procurar a primeira flor que desabrochar nessa primavera.
-E iremos Eliza,deita aqui que quero te abraçar. Ela caminhou até ele,aconchegou-se no colo de seu amado e então ele com muito esforço,cantarolou uma canção que ela nunca tinha ouvido:
-Eliza,Eliza,menina pequena
Que por sorte encontrei em minha vida...e vendo que ela sorria,fechou os olhos buscando alguma letra para continuar...Abriu os olhos e depois de cantar algumas linhas,parou,viu Eliza abrir os olhos,curiosa para que desse continuidade a musica.
Ele aproximou a cabeça dela a seu peito e disse:
-Consegues ouvir meu coração, meu anjo?Repara bem e você pode ouvir claramente ele chamando teu nome,não,não me olhe assim disse ele vendo os olhos de Eliza se encherem de lágrimas,feche os olhos menina,ouça..E-Li-za,E-Li-za,E-Li-za,E-Li-za...e o coração dele foi chamando seu nome cada vez mais devagar,quando já chamava-a lento e baixinho ele disse em seu último suspiro:
-Viva...
ela apertou seu rosto contra o peito dele para tentar ouvir seu coração chamando-a,ela levantou-se,chacoalhou-o,gritou seu nome,bateu em seu peito,mas sem resposta.Gritou amargamente,e os criados,ouvindo-a,correram até ela,seguraram-na e uma das criadas abraçou-a fortemente enquanto ela gritava e chorava enquanto via um criado preparava o corpo.
O coveiro foi chamado e a cidade inteira tomou conhecimento da morte do rapaz.Em poucas horas,o enterro estava preparado,todos os convocados já estavam dispostos no salão do casarão e Eliza observava o caixão de um canto da sala.
Chorava baixinho e assoviava,com o que lhe restava de ar entre os soluços a musica que ele fizera em seu leito de morte.O pai dele entrou na sala de sopetão,lançou os braços sobre o caixão do filho e chorou,chorou alto e amargamente,que Eliza sentiu pena,aproximou-se dele,pousou sua mão sobre seu ombro e ele olhou-a,num misto de ódio e de dor,afastou-a e saiu porta a fora.
Depois do enterro,Eliza voltou para o quarto,o cheiro dele estava por toda a parte,sua risada ecoava por todos os corredores,ela ouvia-o chamando seu nome,corria até o quarto pensando que tudo era sonho,mas encontrava-o vazio.
Dizem que Eliza despediu todos os criados e se trancou em casa,com suas lembranças,a ultima vez que saíra de casa e ninguém a reconheceu,foi no enterro do sogro,que depois de ter visto o filho morto,enlouquecer e se jogou da janela.Foi a última vez que a viram fora dos portões do casarão.
Ela vendo-se sozinha no casarão sussurrou:
-John...e disse mais alto..John...e mais alto..John..e gritou...JOHN..VOCÊ PROMETEU QUE IA ME RESPONDER,PORQUE VOCÊ NÃO RESPONDE...e já sem forças..caiu no chão...
E se parares em frente aos portões e fizer silêncio,pode-se ouvir o vento cantarolando uma canção...e na calada na noite pode-se ouvir um choro de menina e um coração batendo:
-E-LI-ZA-E-LI-ZA-E-LI-ZA-E-LI-ZA.

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