“A poesia não se entrega a quem a define.


Mário Quintana


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Devaneios


Alo, Romeu, eu to ligando porque escrevi umas coisas e como você não me atende, deve estar jogando futebol com o Paris e seus amigos, então eu resolvi falar por aqui mesmo...

Aqui é a sua Julieta... A Julieta que tem celular, email, carta de motorista e diploma de faculdade... A Julieta que não precisa pedir permissão pro pai pra namorar porque os pais foram morar na praia e não importa com quem eu namore, desde que ele não seja drogado e nem bandido, eles nem ligam se você  é cabeludo ou cheio de tatuagens e tenha um piercing na lingua ou no septo...

A sua Julieta não fica mais esperando você tacar pedrinha na janela porque no prédio tem interfone e não preciso ficar melancolicamente aguardando sua chegada jogada na cama,porque você não tem um pangaré branco, amarelo ou uma zebra listrada, você vem de Corsa, Fiat ou qualquer outra marca, que não me interessa... Não preciso mais ficar na janela ouvindo os cantos dos passaros(não que eu não goste, mas uma hora cansam..) porque já inventaram o mp3 e eu ouço as músicas que eu quiser enquanto você não vem... Posso até assistir as primeiras centenas de versões da nossa história, ou a enésima versão da história que estamos tentando mudar....
Posso reescrever poemas no meu tablet, reclamar da sua demora nas redes sociais, afogar miudamente a minha saudade com fotos e lembretes do seu rosto angelical...
Essa Julieta não precisa mais pedir pro Padre uma dose de veneno ou letárgico qualquer pra fingir que morreu pra poder fugir com você, porque somos maiores de idade nesse século e algumas coisas ficaram mais fáceis.... Essa Julieta já aprendeu na escola o que é sexo, desilusão amorosa e camisinha...
Mas essa Julieta, passe ano, passe século, passe autor , pena, lápis, caneta e computador... Essa Julieta, vai sempre, sempre por você morrer de amor...

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Devaneios


Proteção sem saber

O ônibus sacolejou e eu coloquei a mão entre o vidro e a cabeça dele, meu melhor amigo, que dormia serenamente, aquele sorriso sempre de lado, meio coringa, meio maluco, meio criança, meio tanta coisa que não dava pra ser uma pessoa só, tinha que ser pelo menos umas 4 pra tanto meio que ele era...

Minha mão correu pelas costas dele, e ele se ajeitou no meu joelho dobrado como criança no colo da mãe, ele era meu melhor amigo, meu confidente, meu filho, onde eu colocava inutilmente todas as minhas frustrações, e ele moleque, brincava com elas como se fossem peteca e no fim do dia, só repousava e dormia sorrindo.

Ele parecia personagem de livro, eu juro, parecia um desenho animado, uma versão meio magrela do Robin ou uma versão mais comprida de um outro boneco de ação, e ria, como ria! Galante, vocabulário de adulto dos anos 50, e um sorriso encantador, esse era meu melhor amigo...
Comia que dava gosto de ver, se lambuzava e sorria, só ria, encantava qualquer pessoa com um brilho nos olhos que ninguém enxergava, ou que ele não mostrava pra ninguém além de mim... Enfeitiçava as pessoas como uma sereia com seu canto, atraía olhares e partia corações, de mim arrancava sorrisos e algumas orações.

E sempre que ele cansado repousava do meu colo, eu cantarolava um canção pra ele recobrar as forças, e eu sempre colocava a mão entre o vidro e a cabeça dele quando o ônibus sacolejava: Assim eu protegia meu melhor amigo que me protegia sem saber, apenas com um sorriso!

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Devaneios


Acordei como se saudade fosse uma dor de dente

Que aperta bem lá no fundo, mas espalha por toda a cabeça e logo você já não sabe onde começa a dor... E ela apertou no peito, espalhou até me deixar meio zonza, e as lágrimas começarem a sair dos olhos involuntariamente encharcando o rosto e umidecendo a camiseta surrada do pijama.
Corri pro espelho tentando salvar a alma que parecia que queria pular também pelos olhos, tentei segurar, mas saíam só lágrimas, e as mãos tornaram-se pesadas, o fardo maior do que eu podia carregar, a boca já sentia todo o suor da alma, o salgado das lágrimas, o sabor da saudade que eu ainda tinha pra derramar.
Despi o pijama numa pressa descontrolada, querendo lavar o corpo como se a saudade fosse também sujeira, além de sabor e dor de dente que escorria num todo por mim... A água correu gelada incomodando a espinha, arrepiando os pêlos do braço e fazendo a respiração ofegar, depois descansando a testa no azulejo a saudade desceu pelo ralo e eu pude sair de casa vestindo um sorriso bonito escolhido a dedo da gaveta, depois de enxugar o resto de saudade na toalha que eu esqueci em cima da cama...

Devaneios


À beira da estrada pra lugar nenhum...
-Porque você me olha assim?
-Assim como?
-Como se você me conhecesse...
-Mas eu te conheço seu besta, nos conhecemos há uns 5..ou 7 anos?
-Não me importa, mas você me dá medo quando me olha assim...
-Ai, assim como, eu sempre te olho assim...
-Pois é, tenho medo sempre do teu olhar...
-Que bom saber disso depois de tanto tempo, eu paro de te olhar então...
-Não!
-Seu estranho, tem medo do meu olhar e não quer que eu pare de te olhar?
-Tenho medo de você parar de me olhar assim algum dia... De algum dia você parar de me olhar como se eu fosse a coisa mais interessante do mundo, como se eu fosse um extraterreste e você uma cientista maluca, como se você fosse uma criança e eu fosse o seu brinquedo favorito, como se eu fosse partir a qualquer minuto e você quisesse decorar cada traço meu, como se eu fosse o primeiro floco de neve que você estivesse vendo na vida, ou o último pôr-do-sol.... Tenho medo de você parar de me olhar...
-Te amo seu besta...
-Te amo sua maluca

Devaneios


Correspondências...

[Na portaria]
-Tem carta pra mim Geraldo?
-Tem não moça, ainda esperando notícias?
-Pois é Geraldo, ainda esperando, acho que vou esperar a vida inteira não acha?
-Logo chega alguma coisa... Assim que chegar eu ligo pra vir buscar, ou mando alguém entregar...

Depois de receber um comprimido de esperança de um segurança de condomínio, os passos lentos até o apartamento parecem ser uma peregrinação até a Nova Jerusalém (ou até Aparecida pra ser menos dramática...) O sol é forte e as frustrações pedem um banho e um copo de Coca-Cola gelada!
Me olho no espelho com olhos de quem não cabe no mesmo folhetim, e nem numa atualização de qualquer rede social... Frustrante.

Os peixes no aquário recebem sua porção de alimento e eu os observo, será que é assim com os sentimentos? A gente vai alimentando e eles vão permanecendo, crescendo, se multiplicando, até transbordarem no aquário do coração?
Será que funciona no inverso? Se pararmos de alimentar, como o peixe que morreu no mês passado, eu posso jogar ele pela descarga e ainda dizer pro meu priminho que uma fadinha se apaixonou por ele e veio buscar pra viver com ela como numa boba, mas reconfortante história infantil? Posso esconder um sentimento ilusório em uma outra ilusão? Seria saudável ou menos perigoso pro coração? Como aquela pele de frango que a gente coloca do lado do prato pra diminuir a culpa?
O telefone toca, uma, duas, três insistentes vezes:
-Moça? Sua carta chegou, quer que entregue? (O coração pula no peito feito o peixe suicida aquário...)
- Entrega pra mim Geraldo.
-Ok.
Alguns minutos depois a porta se fecha com um silencioso agradecimento e um par de mãos geladas segurando um envelope de papel.
Os olhos fixos num endereço qualquer, o nome sempre bonito de se pronunciar... Coloco a carta sob a luz do abajur e vejo a letra sempre tão incompreensível meio jogada de lado como quem tem pressa, cheiro o cheiro do tabaco forte e sempre amadeirado, as pontas do envelope sujas de qualquer coisa amarelada que não de dou ao trabalho de tentar descobrir, jogo-a longe e logo a recupero como quem descobre um tesouro ou um objeto favorito, escondo-a só pra ter o prazer de achá-la minutos depois, como criança travessa brincando de esconde-esconde.
A carta está em cima da escrivaninha faz 3 meses, intacta... Às vezes olho pra ela, seguro entre os dedos e repito a mesma brincadeira de esconder pra depois encontrar como se fosse surpresa, pra fingir uma saudade que eu não enterrei e só contei pro meu coração que uma fada levou pra morar com ela, assim como fiz com meu priminho, funcionou com ele, talvez funcione comigo... Nenhum peixe do aquário morreu esse mês.
Prefiro manter meu “peixe” alimentado assim, de migalhas, pra não morrer estufado nem de fome... Pelo menos por enquanto... Até trocar a água do aquário...