“A poesia não se entrega a quem a define.


Mário Quintana


quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Devaneios


Desgaste ou falta de uso?

Ontem joguei fora um par de tênis... A sola desgastou... Pensei então no meu coração e em tantas coisas que se desgastam e que são jogadas fora com o tempo, ou deixadas de lado...

A borracha que desgastou e minha mãe me mandou deixar de lado porque já não apaga mais... A camiseta que virou roupa de dormir ou pano de chão porque já está manchada e não posso mais sair com ela... As canetas e papéis que já foram usados e vão pro lixo...

E se eu já estiver desgastada? E se eu for posta de lado como o tênis velho de ontem que já não aguenta mais tomar chuva nem ir pra padaria? E se eu já não servir pra apagar lembranças tristes das pessoas que eu quero bem e for posta no pote junto com as canetas vazias e papéis amassados?

E se eu for usada como roupa de dormir porque já estou manchada e sou péssima companhia pros passeios? E que amanhã ou depois vai virar pano de chão pra enxugar os pés cansados...

Fiquei com dó do meu tênis, quase o peguei de volta da lata do lixo, fui até procurá-lo, mas não encontrei. Me disseram que alguém passou e com um sorriso enorme nos lábios e de pés descalços o abraçou e levou pra casa...

É... até o desgaste deixa a gente novo em folha pra quem ainda não teve nada pra usar...

Devaneios


Fuso horário e minhas palavras e meias.

Uma hora e mais meia...
Pra poder te ligar e ficar só cinco minutos ouvindo sua voz, você sabe, detesto telefone e você também, mas gosto da sua voz, e gosto tanto... Gosto tanto de você e detesto uma centena de coisas pequenas que não se encaixam em você, em nós.
Uma blusa e uma meia
Pra eu poder lembrar que você é meio esquecido e que o cheiro do seu perfume é bom demais e o quanto seu abraço me faz falta...
Um biscoito e um copo de leite no meio
Pra saber que sem você eu perco o sono e que o fuso horário sempre me irrita, mas eu me limito pra te esperar... Te esperei a vida inteira, que são mais algumas horas no despertador, mas que ficar sem você desperta a minha dor....
Um beijo e uma vida inteira
E que essa distancia acabe daqui uma semana e meia...

Devaneios


Liberdade no ninho...

Zap! Ouvi não tão longe, seguido de um gritinho de excitação infantil.
-Tia peguei! Peguei! Peguei passalinho! E os olhos eram tão vivos e bonitos que me doeu o coração saber que era um pequeno caçadorzinho... E ele vinha de arapuca entre os dedos gorduchos, tropicando nos próprios sapatos...
-Ai ai ai menino, passarinho é bicho livre, não gosta de ficar em gaiola...
-Mas eu peguei, é meu! Vai cantar pla mim! Canta canta passalinho! E seus olhinhos inocentes brilharam sem ter muita noção do que fazia...
E o passarinho não cantou, piou miúdo pedindo socorro, um chororô que só quem entendia que gosto tinha a liberdade podia exprimir... Resolvi testar o bonito pivete...
-Vem cá com a tia, dá cá um abraço! E ele veio, sem saber das minhas intenções sem coração... Abracei-o e segurei seus bracinhos entre os meus dedos, sem força-los lógico... Ele tentou sair uma, duas, três vezes achando que era brincadeira.
Vendo que eu não largava, bateu-lhe um desespero que começou a debater-se entre meus braços, segurei-lhe também com as pernas, seus olhos brilharam com tom de choro e me cortaram como se eu fosse a pior pessoa do mundo.
-Brinca menininho, brinca... Sussurrei inocente, sem querer parecer irônica ou malvada demais pro menino rechonchudo e bonito que eu amava...
-Larga tia, larga, e abriu o berreiro,
Abracei-o e disse que o passarinho que ele pegara sentia-se do mesmo jeito. Ele enxugou os olhos brilhantes na barra da camiseta, correu pra arapuca e abriu, deixando o passarinho sair voando, num desespero igual ao do menino quando se livrou dos meus braços... Ele cabisbaixo voltou sua atenção para carrinhos e caminhões que ainda estavam espalhados no quintal.
A noitinha, já depois da hora de dormir ouvi o canto bonito de um pássaro, uma risada e fui conferir... Ele acenava freneticamente de janela aberta e falava: ”Canta passalinho, canta, canta! Canta passalinho!” Ao notar minha presença abriu-me um sorriso e disse que o “passalinho” havia voltado pra agradecer e que ele tinha aprendido a lição, e que tinha até escolhido um nome pro seu novo amiguinho... Como me espantei com o nome que o danadinho havia dado pro passarinho que era até pouco tempo atrás seu prisioneiro e agora amigo.

-"Ele chama Liberdade tia, Liberdade”.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Devaneios


Olhos cansados de um filhote antigo

A chuva caía pesadamente do lado de fora, a xícara de café esquentava minimamente as minhas mãos e a minha cachorrinha sentava-se no meu pé direito, me fazendo olhar pra baixo, cruzando seu olhar com o meu:
-Tá chovendo lá fora mesmo, pelo visto demora pra passar...
Ela se espreguiça como se essa fosse a nossa deixa de uma tarde preguiçosa de livros, comidas e monotonia. Resolvo por em ordem alguns textos no computador e ela calmamente depois de comer caminha até a sala e levanta as patas pedindo colo.
-Folgada. Resmungo falsamente, porque ela é peluda e me olha com os olhos brilhantes e cansados, de quem quer aconchego, mas eu não sei se é pra ela ou se ela leu minha alma e veio me dar carinho...
Descansou a cabeça entre os meus joelhos e quando eu terminei de escrever colocou a cabeça gentilmente em cima do teclado
-Quer ver se ficou bom? Ela me olha com os olhos grandes e brilhantes e eu afago as orelhas peludas e cheirosas dela.
Carrego-a pro sofá onde deitada ela se ajeita na minha barriga e coloco um filme pra assistir e ela atentamente acompanha o cachorro da televisão e quando ele late ela rosna baixinho com preguiça querendo me defender ou só chamar atenção, um tapinha gentil no topo da cabeça e ela me olha com os olhos brilhantes e cansados, de quem vai aproveitar a tarde e o colo pra dormir até a chuva passar...
E o silêncio do apartamento, o vento balançando as chaves na porta, fazem com que ela levante uma orelha atenta, e me olhe, e eu indago os olhos grandes e brilhantes que cansados me consolam, dizendo que a solidão que eu sinto vai passar assim que eu fechar os olhos e sentir o roncar do bicho peludo e cheiroso que dorme comigo a anos e que sem reclamar me faz companhia e enxuga minhas lágrimas com afagos de filhote antigo e nunca esquecido, e a chuva lá fora embala o sono de duas velhas companheiras que tem os olhos cansados demais pra notar que um arco-íris vem chegando...

Devaneios


Dois goles de agua e 10 minutos de fogos

-Quem jogou hoje?
-Não prestei atenção!
-Como não? Não sabe que o Corinthians ganhou no Japão e o São Paulo ganhou de W.O?
-E desde quando tem W.O em futebol? Não é só em luta ou sei lá o que?
-Sei lá... Tem cerveja na geladeira?
-Tem suco de morango serve?
-Bebo água mesmo...
-Se você sabia quem tinha jogado, porque perguntou?
-Pra saber se tinha ligado a televisão...
-Sabe que eu detesto televisão... Me trás um gole de água também!
-Toma! Não ouviu os fogos?
- Eu achei que era tiroteio...
-Tiroterio? E fala assim nessa calma?
-Ué... Estamos no Brasil... Tiroteio, polícia, favela, samba, carnaval, futebol... Normal...
- E porque é tão difícil pra você assistir futebol?
- É que eu gosto mais de ping pong...

Devaneios


Novos contos de fadas...

Não quero ficar presa numa torre, que raios de história é essa?
Não quero ficar deitada esperando um cara que eu nunca vi na minha vida vir me salvar quando eu acordar. Eu vou estar de pijama, com bafo e descabelada, sério que ele vai gostar de mim assim e ainda vai ser bonito? A história tá certa? É assim que tem que ser mesmo ?
Não quero ninguém subindo pelos meus cabelos, sabe o quanto demora pra alisar?
Quero eu mesma matar os meus dragões, ou me transformar em um, quando eu estiver de tpm.
Que o rei seja um garoto franzino que desenganado de tudo e de todos tire uma espada de uma pedra, como conta aquela história que eu ouvi uma vez. Que o herdeiro do trono seja herdeiro por causa dos sonhos, da índole e porque é sábio como ninguém e meio bronco talvez... Mas justo como ele não se viu aqui nem além...
Não quero um mauricinho perfeito que só ande de cavalo branco e cante as canções perfeitas que nunca ensaiamos antes; Ele pode vir de Corolla preto ou prata e cantar Rock’n Roll por favor?

Ele pode ser um Ogro que saia de todos os padrões da sociedade e que se encaixe somente nos padrões dos meus sentimentos? Gordinho, careca, de óculos, a mão maior que a minha, boné virado pra trás se assim ele preferir, mas que eu caiba nos seus braços e ele me olhe como se eu fosse uma pessoa bonita? Não princesa, princesas quebram, assustam, não envelhecem... Que ele me olhe como alguém que vai ter cabelos brancos, algumas muitas rugas nos cantos dos olhos, mas que ainda vai ter no coração o encantamento da juventude e de um sentimento bonito?

E como toda história tem que ter um título, deixa pra escolher quando o chegar o final feliz? Ele nunca diz muito da história, então pra ficar tudo igual, essência e função, cada um no seu qual, deixa pra escrever o título quando a pena pingar indicando o ponto final.