“A poesia não se entrega a quem a define.


Mário Quintana


sexta-feira, 8 de abril de 2011

Carta da Colombina arrependida.


"Meu amado Pierrot,
Quem te escreve hoje é aquela que tanto amaste e que retribuía esse amor em parte, e que hoje
chora a cada vez que percebe que te perdeu,

Sim, sou eu, a tua Colombina, hoje tão arrependida, via-te em todos os bailes de carnaval, via-te verter lágrimas por seus lindos olhos, mas sentia que eras feliz.

Quando a quarte feira de cinzas acabou e o carnaval enfim cessou, depois de ter dançado a noite quase inteira contigo meu amado, vi-me nos braços do belo Arlequim, minha boca que antes ficava aberta quando tú começava a declamar-me suas poesias, pedia por um beijo do galante Arlequim, meu corpo que antes parecia ser levado as nuvens com o teu tocar, pelo teu embalar, pedia pelo calor dos braços dele, mas a cada toque, a cada beijo, ardia meu peito de saudade de ti, minha boca sedia por um beijo seu, aquele mais suave, meu olhar clamava por um olhar teu, palhaço tristonho, depois de ter julgado imensa traição a ti meu amor, não atrevi-me a procurar-te novamente, mas todo carnaval, voltava para onde sabia que tú passaria, via então o teu caminhar sereno, meio ébrio, meio choroso, e quando meu coração ardia de vontade de lançar-me em teus braços, o corpo de Arlequim me segurava,

Assim passaram-se os anos meu amado Pierrot, teu rosto permeou meus pensamentos a cada dia, a cada noite, a idade veio avançando, ainda insistia em encontrar-te nos carnavais, via-te chorar as vezes, era quando mais queria correr-lhe e te abraçar, mas as rugas já me tomaram o rosto, não me reconhecerias mais, o corpo esbelto de bailarina ficou guardado no colã da fantasia e nas fotos que hoje me entristecem, tua Colombina já não é mais uma menina, hoje é mulher casada, e o galante Arlequim se tornou um velho pançudo e careca, que não gosta mais do Carnaval, que passa os domingos bebendo e que não consegue formular a menor poesia...

Hoje meu eterno Pierrot, voltei para o nosso carnaval, mas ao invés de folia, via os foliões entristecidos, com lágrimas nos olhos, gestos tão sofridos, continuavam a dança de forma vagarosa, e aquela menina no canto, parecia-me tão chorosa, via mulheres cochichando, homens com garrafas nas mãos se lamuriando, ouvi então meu amado, daquele bêbado que andava meio de lado, que tú partiste desse mundo, e que como último pedido, resolveu se despedir dos seus em pleno carnaval, eram aqueles desconhecidos, de fantasia e máscaras a tua família, aqueles com quem podias chorar e sem ninguém perguntar o porque, e somente te acolher, vi tua esquife no centro do nosso salão, vestido ainda como o amado Pierrot, a lágrima no rosto, mas um sorriso nos lábios, aquele sorriso tão sereno, que me encantou, e também a todos que te viam brincar no carnaval.

Meu amado, quis tanto te tirar a tua máscara, descobrir quem eras de fato, mas tive medo, do Pierrot que eu conheci morrer e se mostrar apenas mais um Arlequim, tenho certeza que estás indo brincar o carnaval no céu, onde se a quarta feira acabar, o carnaval passar, a brincadeira vai continuar, tua alegria você continuará a espalhar...

Pierrot, pierrot, que tanto chorou por Colombina, esta que hoje te escreve arrependida, sabendo que essa carta nunca irás ler, mas que diz, assim que a quarta feira acabar, o carnaval mais uma vez passar, contigo no céu uma Colombina arrependida, aquela menina, bailarina, vai dançar.

Tua Colombina arrependida.

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